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CHICO BUARQUE 80 ANOS – O tempo dignifica e glorifica o artista e a obra

Tempo e artista (Chico Buarque, 1993) “Imagino o artista num anfiteatro Onde o tempo é a grande estrela Vejo o tempo obrar a sua arte Tendo o mesmo artista c...

CHICO BUARQUE 80 ANOS – O tempo dignifica e glorifica o artista e a obra
CHICO BUARQUE 80 ANOS – O tempo dignifica e glorifica o artista e a obra (Foto: Reprodução)

Tempo e artista (Chico Buarque, 1993) “Imagino o artista num anfiteatro Onde o tempo é a grande estrela Vejo o tempo obrar a sua arte Tendo o mesmo artista como tela Modelando o artista ao seu feitio O tempo, com seu lápis impreciso Põe-lhe rugas ao redor da boca Como contrapesos de um sorriso Já vestindo a pele do artista O tempo arrebata-lhe a garganta O velho cantor subindo ao palco Apenas abre a voz, e o tempo canta [...] No anfiteatro, sob o céu de estrelas Um concerto eu imagino Onde, num relance, o tempo alcance a glória E o artista, o infinito” ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – O tempo é a grande estrela nos 80 anos de Chico Buarque de Hollanda. Celebrado nesta quarta-feira, 19 de junho de 2024, o 80º aniversário do artista carioca flagra o cantor e o compositor em grande forma como cidadão, marchando nas ruas de Paris contra o avanço da extrema direita pelo mundo, e já consolidado como artista que colhe as glórias da obra que alicerça desde 1964 com coerência e sofisticação igualmente extremas. Ainda citando versos de Tempo e artista, música lançada pelo cantor no álbum Paratodos (1993), o tempo-rei obrou a arte maior de Chico Buarque e modelou o artista ao feitio dele, o tempo, com rugas ao redor do rosto e com a satisfação na alma de ter escrito muitas das páginas mais felizes da história da música brasileira. Desse molde, resultou um dos cancioneiros mais belos e contundentes da MPB, a sigla que nasceu com Chico e com outros gênios contemporâneos na arte da composição – Caetano Veloso, Edu Lobo, Gilberto Gil e Milton Nascimento, todos já octogenários – que irromperam com força ao longo dos anos 1960 na plataforma inflamada dos festivais da canção. Nascida oficialmente em 1964, a obra musical de Chico Buarque permaneceu imaculada ao longo dos últimos 60 anos, imune às modas e aos modismos. Chico Buarque completa 80 anos Dos sambas e canções iniciais, impregnados de lirismo melancólico, Chico Buarque logo migrou para as músicas combativas nascidas da inspiração daquele que jamais fugiu à luta contra a repressão sofrida pelo povo brasileira entre 1964 – ano em que o artista foi revelado – e 1985. A ditadura perseguiu Chico, mas Chico também foi um algoz que jamais deu trégua aos opressores, usando a música como arma contra a tirania. Parceiro do soberano Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) já em 1968, Chico Buarque poderia ter construído sozinho a grande obra por ser letrista preciso e melodista refinado. Mas Chico uniu forças com melodistas do porte de Edu Lobo e Francis Hime para produzir obras-primas para cinema e teatro. Analisado sob o benefício da perspectiva, o cancioneiro de Chico Buarque parece ter encontrado na resistência a alavanca que acionava a criação mais intensa. As canções e os discos mais populares são os do período que vai de 1966 a 1984. Contudo, quem tiver sensibilidade musical vai garimpar diamantes verdadeiros na produção do compositor a partir dos anos 1990, década de álbuns mais espaçados como o já mencionado Paratodos (1993) e o menos lembrado As cidades (1998). É a época das melodias mais intrincadas, dos caminhos harmônicos mais inusitados, dos jogos poéticos mais requintados, embora as letras de Chico sempre soem refinadas em qualquer tempo. Basta citar a engenhosidade da letra de Construção (1971), música-título de álbum emblemático, símbolo da maturidade precoce do compositor. Porque o fato é que Chico Buarque de Hollanda já apareceu pronto. Tanto que, em 1966, já era rara unanimidade nacional, alçado a contragosto ao posto de popstar. E, em 1968, já era reconhecido como o gênio que sempre foi. Em tempos mais incorretos politicamente, Chico Buarque também foi um compositor de voz feminina que retratou grandezas e pormenores da alma da mulher em canções de natureza quase sempre dramática, vocacionadas para cantoras teatrais como Maria Bethânia. Se bem que cantoras de todas as naturezas – de Nara Leão (1942 – 1989) a Gal Costa (1945 – 2022), de Simone a Zizi Possi, passando por Cida Moreira e Fafá de Belém – sempre se renderam à música de Chico Buarque. Com o lápis impreciso, o tempo pôs rugas ao redor da boca do artista, mas não lhe arrebatou a garganta – e, nessa seara, os versos da música de 1993 nunca fizeram sentido. Quando o já octogenário Chico sobe ao palco, a voz, mesmo sem viço, mostra que o cantor se aprimorou na arte de interpretar a própria obra glorificada nos 80 anos do artista. Mesmo sob ataques disparados pelos habituais detratores do artista, gente partidária da extrema direita de um Brasil ainda polarizado, Chico Buarque de Hollanda já tangencia o infinito alcançado somente pelos gênios. ♪ Leia os textos anteriores do Blog do Mauro Ferreira sobre os 80 anos de Chico Buarque: ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – Shows festejam aniversário do artista no Rio de Janeiro e São Paulo ao longo do mês ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – Livro traz análises, histórias e opiniões sobre 80 músicas do compositor aniversariante ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – Artista revive a ‘fantasia’ das músicas feitas para cinema na série ‘Na trilha do som’ ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – DJ Marcelinho da Lua festeja aniversário do artista com o single ‘Brejo da cruz’ ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – Eis oito cantoras que sempre sobressaíram quando gravaram o genial compositor ♪ CHICO BUARQUE 80 ANOS – Eis oito títulos fundamentais da discografia do cantor e compositor revelado em 1964